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A arte de deixar ir
Dia 20 de agosto de 2016 | Por Herick Palazzin | Sobre Notícias
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Desvendamos a trajetória do principal personagem na formação de cães de assistência no Brasil: o socializador. Depois de muito trabalho voluntário, o cão treinado é entregue para quem mais precisa dele

texto Cintia Alves    fotos Marcos Florence

“É mágico você ter o carinho, o respeito e a lealdade do cão. Ele espera que seja recíproco e que você dê carinho e proteja-o. É muita responsabilidade, mas devemos ter a plena ciência de que o cão não é para nós, e sim para outra pessoa que necessita dele”. Neimar Daineze, 39 anos, socializador e professor do Senai, revela com orgulho suas experiências com cães de assistência.

Para você entender o que é um socializador, primeiro é preciso saber o que é um cão de assistência. Sabemos o quanto cachorros são amáveis, leais e amigos. Justamente por conta de suas características de bom companheiro, esses ternos animais podem se transformar em cães de assistência, que auxiliam pessoas com diferentes deficiências em seu cotidiano. Isso é possível depois de serem treinados – e não adestrados – por profissionais com qualificação.
É nesse treinamento, então, que aparece a figura do socializador: o socializador voluntário precisa ter uma vida ativa, característica mais importante para o treinamento do cão. Pode ser uma família com pai, mãe, filho (a), ou pessoas solteiras.

Geralmente, todos os socializadores compartilham as mesmas funções de treino para os diversos tipos de cães de assistência. As funções são alternadas somente quando o cão demonstra uma característica específica para algum tipo de deficiência, o que é identificado durante a avaliação final na instituição.

Em entrevista exclusiva à Revista D+, Teo Mariscal, fundador e presidente da Bocalan Internacional, instituição recém-chegada ao Brasil que desenvolve programas de formação e treinamento para profissionais caninos, e vice-presidente da Assistance Dogs International Europe, afirmou que “O mais importante é que as famílias sejam equilibradas e tenham amor por animais, bem como uma disposição a ajudar outras pessoas. Além de serem sempre conscientes do trabalho futuro que o cão prestará e que deverá ser entregue no final do treinamento”.

A filial brasileira, coordenada pelos espanhóis Rocio Marin e Hugo Cardeña, adestradores caninos e técnicos para terapia pela instituição internacional, trabalha com cães de assistência para cadeirantes, crianças com autismo, surdos e pessoas com diabetes tipo 1.

Teo Mariscal, presidente da Bocalan Internacional, deu palestras durante sua visita no Brasil

Teo Mariscal, presidente da Bocalan Internacional, deu palestras durante sua visita no Brasil

Fruto de solidariedade
Um dos momentos decisivos antes da escolha é o encontro de perfis: cão e socializador. Neimar, por exemplo, recebeu dois cães para socialização. Ele e a esposa, Renata Andrade, receberam a Hilary, labradora preta, em abril de 2013, após ter passado por diferentes famílias que desistiram do trabalho com ela para cão-guia; e o Volvo, uma mistura de labrador com golden amarelo, em 2015.

O cão de assistência é escolhido ainda filhote nas instituições, e passa aproximadamente de dois a 12 meses com a família para aprender a se comportar dentro e fora de casa. Sempre exposto ao maior número de situações possíveis para que tenha uma adaptação perfeita em qualquer circunstância quando adulto, quando estará com seu usuário.
O trabalho com a higiene do cão dentro de casa é a mesma que de qualquer pet. O que faz a diferença são os detalhes, como aprender determinados aspectos voltados para um cão de serviço, como fazer as necessidades dentro de casa por uma questão de praticidade para quem tem deficiência, por exemplo. Além de se atentar em nunca dizer a palavra “não” ao cão, como forma de estímulo e incentivo às ações positivas.

vb3“Ele pode ficar muito feliz, mas não pode sair pulando em cima das pessoas, por exemplo. O cão toma decisões, não é simplesmente condicionado a ter um comportamento: ele é treinado para tomar boas decisões e manter a segurança do seu usuário”, explica Neimar.

É muito importante que durante o processo de socialização a família mantenha contato com a instituição para que o trabalho dos estímulos semanais seja realizado de maneira adequada.

O cão socializado não tem o destino traçado, pois depende de diferentes fatores determinados, principalmente, pela convivência da família e o acompanhamento do treinador, para descobrir se servir é realmente o que faz o cão feliz. “Quando o cão retorna à Bocalan, é cuidadosamente testado por especialistas da fundação. Uma série de testes é realizada para determinar o caráter, temperamento, a sensibilidade e capacidade de aprendizado”, revela Teo.

Um passo de cada vez
Os voluntários ainda enfrentam dificuldades de acesso durante o processo de socialização; mesmo com a identificação de coletes ou bandanas nos cães, são barrados em supermercados, padarias ou em transportes públicos. “O primeiro obstáculo é pelo fato de o cão estar em treinamento e eu não ter nenhuma deficiência. Às vezes tenho tempo para explicar às pessoas, mas na maioria das vezes, não”, comenta Neimar.

Para Teo, que trabalha em mais de nove países com a Bocalan, incluindo o Brasil, o país carece de disseminação de conhecimentos técnicos para os interessados. “É muito importante trabalhar na divulgação e educação da sociedade sobre o papel e a importância desses cães”, diz. “Assim como o trabalho com instituições públicas e privadas para assegurar aceitação, inclusão e apoio aos cães, usuários e as organizações que desenvolvem os projetos”, finaliza.
Dessa maneira, a família socializadora se torna educadora da sociedade, mostrando a ela como o trabalho de responsabilidade deve ter a colaboração de ambas as partes. E não somente em espaços públicos, mas nos ambientes de trabalho ou nos educacionais; pois o socializador assume um compromisso difícil ao se doar 24 horas para que o cão sirva como um recurso de tecnologia assistiva para alguém que ele nunca viu antes.

De olho na legislação brasileira
A Lei 11.126/2005, regulamentada pelo decreto 5.904/2006 e pela Lei Brasileira de Inclusão 13.146/2015, garante o ingresso e a permanência do cão de assistência nos locais públicos e privados durante e depois da fase de socialização ou treinamento; resguardando suas particularidades, como o uso obrigatório de identificação do cão e multa para o estabelecimento que negar seu ingresso.

Projetando o futuro

Representantes da Bocalan Brasil, Hugo Cardeña com a Pamplinas e seu filhote, Baiano, e Rocio Marin abraça o trabalho voluntário com o labrador Pandeiro

Representantes da Bocalan Brasil, Hugo Cardeña com a Pamplinas e seu filhote, Baiano, e Rocio Marin abraça o trabalho voluntário com o labrador Pandeiro

Depois de todos os meses entre tropeços, sorrisos, treinos, estímulos e brincadeiras, é chegada a tão temida despedida. Para Neimar, elas sempre são sofridas.

Volvo, por exemplo, não foi aprovado como cão de assistência, e seguiu para doação. Mas Hilary foi aprovada para cão-guia e, mesmo sem notícias da cadela após a entrega, o casal Neimar Daineze e Renata Andrade foi surpreendido durante uma palestra em que participavam.

“Quando a Renata deu seu depoimento durante a palestra, uma pessoa levantou e comentou que a Hilary trabalhava na empresa com ele, e que ela não fazia bem somente para a usuária, mas para todos no ambiente. Fiquei muito emocionado! É muito bom saber que o cão está saudável e que o trabalho foi bem feito”, revela Neimar.

Os laços criados entre o socializador e o cão são inevitáveis, e em muitas instituições brasileiras o contato após a entrega não é permitido. Mas, para Teo Mariscal, “A interação da família socializadora com o usuário é necessária e deve acontecer de maneira natural, sem obrigatoriedade; nem que seja com pouca frequência, para não interferir no aprendizado do usuário com o cão de assistência”.

A instituição também deve manter o acompanhamento após a entrega para o usuário, para que o programa siga de maneira saudável e correta.

“Devolvê-los nos dá a sensação de missão cumprida. Limpamos a casa, tiramos os pelos de tudo, e também uma folga por algum tempo, até arrumar outro cão. Inclusive já temos um novo cão em treinamento!”, conta Neimar. E, finaliza animado: “É como um ‘filho’ nosso que está se formando e sendo reconhecido como um profissional. Engolimos a saudade e o choro, e ‘bora’ para outra!”.

Abrindo portas
Para disseminar informações de qualidade sobre os cães de assistência às instituições, aos futuros usuários e familiares, o projeto Dog Day, idealizado pela empresa Diversitas, nasceu em 2015, através da atuação como socializadora voluntária da coordenadora responsável, Renata Andrade. “Ser socializador exige muito comprometimento e responsabilidade. Temos muitas questões culturais que precisam ser modificadas, como, por exemplo, a resistência das empresas com o trabalho dos socializadores”.

As ações acontecem de maneira pública e privada, sendo parte da renda da ação privada investida no próprio evento (como transporte de profissionais, higiene do cão, cenário, entre outros), e o restante do valor é revertido para ações gratuitas: em escolas públicas e projetos como o Dog Night em bares, teatros, cinemas.
Receba o projeto, envie um e-mail para dogday@diversitas.etc.br

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